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Imagem aérea da comunidade do Bom Jardim em Morrinhos
Fonte: Google Maps. |
Eleição de prefeito paralelo ocorreu em 1996 e ganhou repercussão nacional, o jornal paulista "Folha de São Paulo" fez uma cobertura especial sobre o acontecimento. Na época, jornais europeus também destacaram a união da comunidade do Bom Jardim.
Acompanhe abaixo a matéria de íntegra da Folha de SP.
"Cansados de se sentirem abandonados pelos poderes públicos, os moradores de Bom Jardim, pequeno lugarejo no município cearense de Morrinhos, elegeram um governo paralelo para dirigir a localidade.
O ex-vigilante Valdir Gomes, 29, foi eleito "prefeito" ao derrotar seu irmão, Antônio Gomes, 31, por uma diferença de 63 votos.
Os dois são filiados ao PSB (Partido Socialista Brasileiro). Votaram 333 dos cerca de 600 moradores de Bom Jardim.
A prefeitura paralela de Gomes tomou posse no dia 27 de janeiro, numa assembléia geral da comunidade. Em regime de democracia direta, foram escolhidos os nove "secretários municipais" e os cinco "vereadores" que irão ajudar a administração do "prefeito".
Sem recursos ou estrutura, os secretários e vereadores ainda não sabem exatamente o que fazer. Basicamente, juntam-se ao prefeito nas ações da prefeitura paralela. As reuniões acontecem na sede da associação comunitária.
Gomes diz que a idéia de eleger um governo paralelo surgiu em 1994, num misto de bronca e brincadeira dos moradores.
"A eleição é um protesto contra o nosso abandono e, ao mesmo tempo, serve para diminuir um pouco a monotonia do nosso dia-a-dia. Quem mora no interior adora uma eleição", afirma.
Participaram das eleições os moradores com idade acima de 10 anos. Gomes defende o voto das crianças, dizendo que elas gostam de participar e, como a maioria já trabalha, elas têm direito a isso.
Ele diz que a campanha foi acirrada, com os dois candidatos participando de comícios e debates.
Apesar da disputa, não havia divergências entre os candidatos. A existência de duas candidaturas serviu mais para motivar os eleitores, pois ambos assumiam o mesmo compromisso de se baterem pela construção de uma infra-estrutura mínima de serviços públicos na comunidade.
Em Bom Jardim não há posto de saúde, água encanada, energia elétrica ou serviço telefônico. As ruas não têm calçamentos. Não há uma única televisão no lugarejo.
Com não recebe recursos oficiais, Gomes afirma que conta com a "força" da organização comunitária de seus eleitores para tocar as obras de sua administração.
O processo comunitário vem do fim dos anos 70. Com o incentivo da Igreja Católica, foi criada em Bom Jardim uma cultura de oposição política ao grupo que desde essa época dirige a Prefeitura de Morrinhos.
São vários os resultados da ação comunitária. "Nos últimos 20 anos, nós construímos, sem nenhuma ajuda da prefeitura, uma barragem, um açude, uma casa de farinha, 20 cisternas, uma creche, uma mercearia e um poço profundo", afirmou Gomes.
Ele diz que todas as obras comunitárias já existentes em Bom Jardim foram construídas por meio de mutirões e de vaquinhas feitas entre os moradores.
Na semana passada, Gomes largou, por um dia, o serviço de sua roça para comandar um mutirão de limpeza da estrada de barro, com extensão de 18 km, que liga Bom Jardim a Morrinhos (210 km a oeste de Fortaleza).
Pelas leis vigentes no Estado, Bom Jardim não pode pleitear a autonomia municipal -para isso, precisaria ser pelo menos um distrito e ter, no mínimo, 10 mil habitantes. Mas a população não chega a mil.
Sabendo disso, Gomes não busca uma ruptura total com a Prefeitura de Morrinhos.
O prefeito paralelo afirma ter consciência de que não tem condições de resolver os problemas de Bom Jardim apenas com a ajuda da comunidade.
"Uma das tarefas de nossa administração será pressionar o prefeito de Morrinhos a se interessar mais por nossa comunidade e investir aqui também", diz Gomes."
Na época o prefeito de Morrinhos, teve o seguinte posicionamento frente a eleição paralela.
Veja a reportagem da Folha da época:
"O prefeito de Morrinhos, Manoel Airton Bruno (PSDB), vê a eleição paralela como "ato de um grupo político que tem interesse em denegrir a imagem" de sua administração.
"Segundo Bruno, a falta de investimentos em Bom Jardim se explica pela situação de pré-falência em que se encontram as finanças do município. Com o pagamento do funcionalismo em atraso há quatro meses, a prefeitura dispõe de uma média mensal de R$ 40 mil para investimentos.
Surpreso com a repercussão que a prefeitura paralela vem obtendo, Bruno, cujo grupo político controla há 18 anos a Prefeitura de Morrinhos, afirma que está disposto a "calar a boca" de seus adversários realizando o dobro de obras que o prefeito paralelo fizer.
Ele diz que já conseguiu do governo do Estado a promessa de eletrificação rural de Bom Jardim a partir de março.
Afirma também que já obteve verbas do Estado para reformar a escola do lugarejo, que poderia ampliar o número de alunos.
Para facilitar o acesso das crianças à escola de 5ª a 8ª séries que há em Sítio Alegre, a cinco quilômetros, ele colocou um carro fazendo gratuitamente o transporte.
Bom Jardim é o único local do município onde o atual prefeito perdeu as eleições municipais.
Bruno também obteve um apoio maciço em Morrinhos para eleger Rogério Aguiar (PSDB) deputado estadual. A exceção foi Bom Jardim, cuja maioria dos eleitores votou em João Ananias (PSB), também eleito."
Fonte: Folha de São Paulo, edição do dia 25 de fevereiro de 1996.
Nos links a seguir você pode ler direito na página da jornal as matérias sobre a prefeitura paralela em Morrinhos.