quarta-feira, 8 de julho de 2020

Solidariedade de rede social: as imagens que distorcem a finalidade, expõem e humilham

Nossos tempos são estranhos. 

Vivemos em uma época onde as pessoas passaram de expectadores a atores. O pior, muitas vezes de peças que andam longe de retratar algo real. Não que não devamos ser protagonistas de nossas próprias vidas, mas que é preciso ter bom senso quando se "cria cenas" cujo objetivo, por mais que pareça correto, acaba não sendo nobre no sentido mais elevado da palavra (que merece respeito por seus méritos dignos).  

Chama atenção uma ação que, em tese, deveria ser de caridade, objetivando a um único fim, levar a quem não tem, seja material ou não, um pouco de conforto, o verdadeiro sentido da solidariedade humanística. Mas vivemos os tempos das redes sociais, onde torna-se necessário fazer a propaganda da "ação solidária". É sempre bom termos em mente que, quem faz propaganda quer vender algo.  

Estes dias vi uma cena que me chamou a atenção. Para falar a verdade, chegou a machucar, doer. Pessoas humildes, em casas feitas de pau a pique, sendo expostas nas redes sociais, por terem recebido uma cesta básica de pessoas bem vestidas, com câmera potente para registrar que aquilo foi feito.

Não é preciso muito esforço para perceber que a cena causa constrangimento, certa vergonha por parte de quem foi fotografado, teve seu rosto, seu lar e o que ganhou, exibido como prova de que quem está doando, está fazendo um gesto de "solidariedade". 

Ser pobre, não é motivo de vergonha. Morar em uma casa simples, não é motivo de vergonha. Não ter roupas novas, não é motivo de vergonha. Deveria sim, causar vergonha, a falta de empatia. 

Devia ser para todos, ter a sensibilidade de colocar-se no lugar no outro, isto era para ser um exercício de reflexão indispensável. Talvez, assim haveria menos demagogia, mais humanidade. 

Nossa sociedade extremamente desigual como é, empurra muitos de nossos irmãos a viverem em vulnerabilidade social. Isso não deveria ser motivo para o espetáculo da exposição de suas condições. Deveria sim, ser motivo para uma indignação justa, que conduzir-se a ações concretas e tomadas de decisões que viessem a melhorar em termos práticos a vida das pessoas. 

O olhar por trás da forquilha foi dilacerador. Ele fala muito. Diz sobre está ali. Passar por aquilo. Ver a lente de uma câmera, que custa mais que todos os bens matérias que a criança está acostumada a ter ao seu redor, registrar aquele momento mostra que não é justo passar por aquilo. 

É verdade, existe também o sentimento de gratidão, mas há ali vergonha, certo estranhamento. Eles estão bem vestidos, "estão em outra condição social". Talvez, passe pela cabeça que eles são "melhores". Não são. 

O clique, a foto, a cena capturada, a exposição da condição social e do gesto, que devia ser de solidariedade, fere a dignidade e ofende a quem é capaz de colocar-se na posição do outro. 

Doe. 

Não é preciso dizer, ou fazer outros saberem, quando se faz o bem. Ele é em si uma finalidade. Não é necessário registros (se for, não é necessário exposição).

Que não seja mais assim. 

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